Encontro em prosa e verso: Ubirajara Couto Lima (Bira Lima)

A Editora Via Litterarum – Via entrevista o poeta, escritor e professor Bira Lima, abordando algumas questões com vistas à compreensão acerca do ato de escrever e sobre a criação literária propriamente dita. Outubro de 2023.


SOBRE O ATO DE ESCREVER

VIA: Como e em que momento ou circunstância você se percebeu como LEITOR e que a leitura faria parte de sua vida?

Bira: Não fui criado num ambiente com muitos livros, mas fui alfabetizado em casa por um pai semianalfabeto e uma mãe analfabeto. Como uma pessoa muito curiosa, atenta ao mundo, descobri logo cedo que o livro era uma janela aberta para o mundo, uma boa companhia, uma maneira de me organizar internamente.

VIA: Como e em que momento ou circunstância se percebeu como CRIADOR LITERÁRIO ou AUTOR e que escrever faria parte de sua vida?

Bira: Eu comecei a escrever aos 9 anos. Exatamente quando descobri que era adotado. Eu não contei para ninguém, então me sentia muito só. Percebi que a escrita me ajudava a nomear coisas que eu sentia e não sabia como lidar. Em determinado momento eu passei a mostrar esses escritos e percebi que as pessoas gostavam, que aquilo chegava nelas de alguma maneira. Mas foi escrevendo pequenas peças de teatro para serem encenadas por um grupo de adolescentes da paróquia local que eu entendi que aquilo era bom. Era mágico ver as minhas palavras ganharem corpo, voz, energia. Ganhamos até um prêmio com uma dessas peças.

VIA: Hoje, em termos de ocupação do tempo dedicado ao trabalho, qual o espaço ocupado pela literatura?

Bira: Como eu tenho que conciliar a escrita com outros tantos afazeres, o espaço ocupado pela literatura é menor do que eu gostaria, na verdade. Eu não tenho uma rotina de produção. Invejo quem tem. Já vi escritores dizendo que ficam ali até sair alguma coisa, seja o que for. Nunca fui assim. Escrevo quando tenho vontade. Tem funcionado até agora. Então, está bom.

VIA: Alguns autores escrevem como uma necessidade existencial. Se fosse possível resumir a motivação principal do porquê escreve, qual seria?

Bira: Eu chego a sentir, às vezes, uma vontade física de escrever. E foi aí que eu me dei conta de que eu escrevo para esquecer, para imortalizar o momento e poder dar liberdade ao cérebro para novas palavras, novo conhecimento e novas ideias. Tanto que não decoro os meus poemas. Saramago disse que a razão profunda do ato de escrever é o nosso desejo de não morrer. Eu já escrevi um poema no qual expressava o meu desejo de “acabar” antes de morrer. Fiz esse poema observando que a minha esposa, que se bate nas coisas o tempo todo, que ela ia acabar (deixando os pedaços por aí) antes de morrer, e que é assim que eu me sinto em relação à poesia, à minha existência. Vou deixando os meus pedaços. Se isso me aproxima da imortalidade, não sei. Não é o meu objetivo.

VIA: No período de um dia, qual seria a rotina enquanto escritor?

Bira: Depende. Já fiz 10 poemas num dia e já passei 1 ano sem escrever coisa alguma de poesia.

VIA: Como fica a sua relação entre INSPIRAÇÃO e REELABORAÇÃO DO TEXTO ESCRITO na sua criação literária?

Bira: Para mim, escrever é transpiração. É uma labuta enorme para encontrar a palavra. Quando eu a encontro sou só alegria. É um gol do Flamengo numa final de campeonato. Já passei dois anos procurando um final para um poema. Por isso, não costumo reelaborar os meus textos escritos.

SOBRE A CRIAÇÃO LITERÁRIA

VIA: Seguramente, todo escritor é antes um leitor. Enquanto leitor, qual autor (ou autores) e qual obra (ou obras) considera mais relevante para ser o escritor que é?

Bira: Esta é uma pergunta difícil. Já segurei na mão de muita gente. Ou como diria um professor do mestrado, já subi no ombro de muitos gigantes: Jorge Amado, Valdelice Pinheiro, Carlos Drummond de Andrade, Wislawa Szymborska, Mário Quintana, Cecília Meireles, Ferreira Gullar, Viviane Mosé, José Régio, João Ubaldo Ribeiro, Caio Fernando Abreu, Manoel de Barros, Dylan Thomas, Walt Whitman… mas a geração mimeógrafo (marginal) me abriu um mundo novo:  Ana Cristina César, Paulo Leminski, Chacal, Torquato Neto.

VIA: Da primeira publicação até hoje, quantas obras possui?

Bira: São 5 livros, ao todo. São 3 de poesias e dois acadêmicos.

VIA: Qual obra considera a principal?

Bira: A última, sempre a última.

VIA: Em qual gênero literário se situaria a parte principal de sua criação literária e que experiencias possui em relação aos outros gêneros literários?

Bira: A minha produção literária se concentra na poesia. Já me arrisquei na crônica, mas não tive coragem de mostrar a ninguém. Tenho planos de escrever sobre a minha mãe, um romance talvez.

VIA: Quanto escreve ficção, ao iniciar a narrativa está praticamente pronta ou essa tem vida própria, surpreendendo o próprio autor, só se conhecendo o enredo e o fecho no próprio processo de criação?

Bira: Não escrevo ficção.

VIA: Como vê a literatura em tempos de Internet, redes digitais, ChatGPT e outros aplicativos de Inteligência Artificial?

Bira: Primeiro, inteligência artificial não é inteligência. O trabalho do ChatGPT não é fruto de criatividade. A criatividade é um aspecto único da experiência humana que pode ser difícil de ser replicado pela tecnologia. Gosto da ideia de que a IA se ocupará de tarefas monótonas e nos liberará para o que nos é próprio, criar. No mais, vejo que a literatura está evoluindo para se adaptar à era digital, abrindo novas possibilidades e desafios.

VIA: Qual o maior problema para a poesia e a ficção, em uma palavra, para a literatura hoje?

Bira: Eu digo que a gente tem alguns problemas: lemos pouco, qualidade das obras disponíveis (religiosas e autoajuda), livro caro (elitista e excludente).

VIA: Em qual (ou quais) projeto literário está se dedicando no momento?

Bira: Sempre que ponho um livro na rua, fico me sentindo esvaziado. É como eu me sinto agora, buscando novos sentidos, sem saber ao certo qual a próxima obra.

 

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