A editora Via Litterarum-Via entrevista o poeta e escritor, Carlos Kahê, e o aborda sobre algumas questões com vistas à sua compreensão acerca do seu ato de escrever, sobre a sua criação literária, enfim …
SOBRE O ATO DE ESCREVER.
VIA – Como e em que momento ou circunstância você se percebeu LEITOR assíduo, e que a leitura faria parte de sua vida?
CK – Precocemente. Logo descobri que meus ouvidos secretos estavam aptos a celebrar, a dar voos às palavras, entranhados que estavam com a teia das leituras, com os sentimentos íntimos dos homens e com os sentimentos libertários dos pássaros.
Comecei na adolescência, quando lia de tudo sem a preocupação de entender o que estava sentenciado ali. Algumas coisas infiltraram-se pela memória, e ali permaneceram afetivamente.
Esse prodígio não se estende à maturidade. Hoje, pelo contrário, entranho-me, apego-me aos livros, mas não os memorizo. Tal fenômeno acontece não só pela idade, mas à compulsiva entrega à escrita. Que já me parece uma prática definitiva, inexorável.
Isto, eu afirmo, pelo fato de não haver um instante em que o meu cérebro curioso e o meu instinto caçador não estejam pesquisando/retendo imagens e palavras que, certamente as transformarei em poesia.
VIA – Como e em que momento ou circunstância, você se percebeu CRIADOR LITERÁRIO ou AUTOR, e o ato de escrever faria parte de sua vida?
CK – Como criador, acredito que foi acidental.
Sinfonia de acasos.
Eu cantava desde a infância. Na medida em que cantava fui me tornando uma pessoa ligada à música, e mais adiante algumas pessoas já me apresentavam como um compositor de talento. Mas ao que me lembre, à época, eu nada compunha para merecer tal fama ou afirmação. Pelo contrário, eu condenava com rigor, tudo que compunha.
Mas tenho a personalidade de buscar, de me entregar pela palavra. Tenho essa deformidade psicológica de me comprometer com afirmações e sentenças exógenas; de correr atrás do que já está prometido ou anunciado, pelo outro, a meu respeito. Não sei se tem dado certo, porém se o meu nome se envolve em questões culturais ou morais, pela vida afora, vou defendê-lo até a morte. Uma vez compositor, fomos compor. Foi o que fiz.
Em certo tempo, as minhas canções passaram a ser tocadas nas rádios. E foram muitas rádios: da Morena Fm local (a primeira em tudo) à Educadora de Salvador, Gabriela de Ilhéus, Clube de Eunápolis, Montes Claros, Itabela … devido à graça com que elas caíram no gosto local, vieram convites, que rasguei para não me jogar. Mas resolvi investir neste meu potencial de compositor.
Imagino que deu certo, e daria mais, se eu me jogasse, mas não fui correto comigo, me auto boicotando, e este é o motivo de o meu razoável “talento” prosseguir na sua eterna latência.
Devo acrescentar ou reafirmar que a verve do compositor que existe em mim, surgiu em virtude do compromisso com o que já diziam por aí.
As oportunidades profissionais surgiram cedo, mas quando surgiram não havia nada de mim que se comparasse ao mercado pop da época, um cancioneiro nacional acima do padrão mundial – uma usina de criação e de talentos memoráveis. Eu não fazia jus, ainda.
Graças ao Projeto Jupará, idealizado por Marcel Leal e sua Rádio Morena, a grande divulgação que foi esse Projeto, as pessoas passaram a me tratar pela alcunha de “poeta”. Incrível é que até hoje as pessoas se referem a mim como o 1º. Vencedor do Troféu Jupará. E devo dizer que jamais ganhei troféu jupará algum. As minhas canções ficaram entre as mais pedidas, principalmente a lendária Frutos Dourados, muito identificada com a história da nossa Terra Grapiúna. Se a música não se tornou o hino da cidade, ela representa (acredito) a identidade da nossa terra. A exemplo da imbatível poesia do Firmino Rocha, Deram o fuzil ao menino, Frutos Dourados integra o acervo afetivo daqueles que admiram a cultura local.
A partir de então, o poeta que sou passou a justificar o pecado verbal cometido pelos ouvintes, admiradores da arte.
Estranhamente, não me vejo dentro da figura do poeta.
Não tenho o estereótipo do boêmio, do notívago, do marginal da palavra, como querem os radicalistas memoráveis.
Tenho a essência poética, sim, e a minha prosa é pura poesia. A minha alma é poeta. Não é poeta o homem que sou.
Vou citar aqui, o poeta Mário Quintana:
Poetas são pássaros que chegam, não se sabe de onde, e pousam no livro que lês. Quando fechas o livro, eles alçam voo, como de um alçapão. Eles não têm pouso, nem porto e alimentam-se um instante em cada par de mãos e partem … e olhas então essas tuas mãos vazias no maravilhado espanto de saberes que o alimento deles já estava em ti”.
Em mim, poetas podem não ter casas e nem chãos, mas celebram seus amores, experimentados e vividos, nas nuvens, nos altiplanos sentimentais, e oferecem aos seus amores, mundos celestiais e chãos estrelados. Não sei se ofereço isso. Devo acrescentar que concordo com os radicais da poesia, quando afirmam que poeta que é poeta tem de ser marginal ainda que cuspa lucidez.
O bem da poesia é a visão múltipla e ao mesmo tempo personalítica.
Piva foi Piva.
Leminski foi Leminski.
Pessoa foi Pessoa… e nem a multiplicidade de heterônimos o deslocou do seu eixo.
VIA – Hoje, em termos de ocupação do tempo dedicado ao trabalho, qual o espaço ocupado pela literatura?
CK – Na mais tenra juventude, eu lia compulsivamente, e me achava (comparando a um Machado, Graciliano, Erico Verissimo – os meus preferidos) emocionalmente e intelectualmente incapaz de desenvolver uma prosa. Qualquer texto longo.
Não tinha a paciência (nem capacidade) de buscar o inusitado, nem de discorrer e/ou de me aprofundar sobre qualquer assunto. Sobretudo, na minha ansiedade, tudo teria de se resolver na primeira página.
Hoje, pelo menos as histórias que escrevo ou escrevi, tive e tenho o zelo, além de muita
paciência em rebusca-las. Embora considere tudo inacabado.
Mas isso também faz parte do eterno descontentamento com a forma.
Dilema eterno do escritor é que nada está perfeitamente concluído. Mas devo dizer que Deus usou também esse mérito, quando criou a natureza. Ele criou o universo, porém o bom ou mal proveito, o aperfeiçoamento ou evolução, Ele deixou a cargo dos homens. Este é o nosso trabalho. Trabalho que confiamos às editoras. Elas precisam nos ajudar, se queremos buscar a perfeição.
Como romancista, a minha linha é um fio do novelo puxado sutilmente de dentro da condição humana__ o estar-se só nesta guerra de mundos, o estado psicológico e as nossas agruras sentimentais e filosóficas, sobretudo, a solidão brutal do homem.
Você pode me perguntar: por que escrevemos?
Não raro, os ficcionistas e poetas buscamos a escrita como meio de catarse (expulsar o que é estranho à nossa natureza).
Quando essa catarse chega ao limite, escrever se converte em resistência ou meio espiritual de sobrevivência.
Sejam quais forem as circunstâncias, é inequívoco o privilégio que temos de nos expressar por meio da escrita.
VIA: O que deve estar presente na lida diária de um escritor?
CK – Dedicação é o requisito básico, independente do gênero da sua obra.
Planejamento e organização.
Disciplina.
Inspiração é a pedra angular.
Inventividade é primordial
Intuição
Percepção da realidade
Pesquisa, mas com determinação e aplicação dos dados necessários. Cuidar bem das
informações, para que nada fuja à verossimilhança.
Ter uma acurada capacidade de observação e de análise de tudo.
VIA: É do escritor a responsabilidade única do seu texto?
CK – Em certa medida é o preço que pagamos pelo privilégio de termos voz, de podermos nos expressar e de compartilhar sentimentos e imaginação. Além disso, e isso é fundamental ao escritor, expor o nosso caráter e pensamento, iluminando temas que acreditamos ser possível realizar utopias, e quem sabe, buscar a eternidade por meio da palavra.
VIA: Escrever é um ato político?
CK – Este é um sitio, do qual nenhum escritor pode escapar.
E isso não se reduz ao campo imediato da política partidária, embora isso possa acontecer e ser reflexo da sua cosmovisão.
Escrever é um ato político, por alcançar a maneira de nos situarmos no mundo.
De percebermos o mundo, de interagirmos com o mundo.
Essas ações são inexoráveis, e só podem ser condicionadas pela nossa atitude política.
Mesmo que a posição do escritor seja de omissão – de ele se colocar à margem da discussão – esta é a sua personalidade e não deixa de ser, também, uma forma de se posicionar.
É imperioso que cada escritor e escritora, ou poeta, se situe, se manifeste politicamente.
Não para criar narrativas panfletárias, mas assumir que seus escritos, por menor que sejam ou que a ditadura sistêmica quer que seja menor, interfiram no imaginário do leitor. É dessa maneira que o leitor vai tirar de nós a nossa essência mais valiosa.
Nos manifestarmos por inteiro, possibilita ao leitor uma recepção mais completa das nossas ideias. É a métrica do impacto, do poder de transformação dessas ideias, na consciência coletiva. Quanto ao tempo, em mim, além de estar ligado à novidade instantânea, a Literatura ocupa todos os meus espaços de tempo, seja escrevendo ou metido em revisões do que nunca se acaba. A importância da Literatura, em mim é vital.
Se não fosse por ela, eu já teria zarpado no tempo. Teria ido conversar com as galáxias de Santiago. Em suma, revisitar diariamente o que escrevo é o que me afasta da angústia e do tédio.
VIA -Alguns autores escrevem como uma necessidade existencial. Se fosse possível resumir a motivação principal do porquê escreves. Qual seria?
CK – A minha motivação diária é impulsionar a minha vida pacata. Mas existe o dom ou uma determinação aleatória voltada para este óbvio. Só a escrita me dá fundamentos vitais. A minha intensidade em leitura não uma maneira de pesquisar. Não sei se esta é uma visão afirmativa. Acredito ser muito mais pelo contrário. Pesquiso sobre o que leio, para sedimentar o meu conhecimento. A curiosidade aparece no meio do caminho. Por exemplo, se em Navegação de Cabotagem o Jorge Amado cita o poeta, Nicolas Guillen, vou atrás de sua poesia. Preciso situar-me sobre o que escreveu e essa também é uma oportunidade de me avaliar. É outra vantagem de quem lê, sobretudo o escritor: expandir seus horizontes literários.
Quanto aos elementos motivacionais, o principal é o acaso. A velha sinfonia do acaso.
Exu, o mensageiro da inspiração é quem me traz os temas. Se não for ele, já não sei de mais nada, e passo a acreditar (por conta própria) que o poeta Drummond me visita.
Não sou barato. Nunca fui.
Como diz o ensaísta e poeta, Sérgio de Castro Pinto:
A inspiração não deve ser desvinculada da realidade, desde que também não deixe de lado o sentimento e a emoção.
Se a sua literatura passa a ser um objeto artesanal, um virtuosismo verbal. A ser só isso, ela se tornará um ornamento sem valia.
Como o Sérgio, também não entendo literatura da forma pela forma.
Não entendo o Mallarmé que disse ser a poesia um esboço de palavras, porém nua de ideias. Não penso desse jeito. Eu vejo neste ponto de vista, a poesia concreta: uma arquitetura sem muito sentido.
Justamente por acreditar que a poesia é uma construção emocional que não se elabora apenas com o emocional, é o que fundamenta a busca pela abrangência da palavra.
VIA -No período de um dia, qual seria a sua rotina enquanto escritor?
CK – Não tenho uma rotina formal fora da escrita. Basicamente, a minha rotina é a
poesia. As coisas da vida – família, apertos, criação de filhos, política, negócios, reparos rotineiros, etc., essas coisas me tiram da rotina. Me confundem.
Meu tratamento para com a prosa é diferente do meu idílio diário com a poesia.
Na prosa, se acordo pensando numa situação, mergulho por um tempo breve, até me cansar. Se a tarde trouxer uma ideia nova, retorno. Adoto na prosa, um conselho poético de Drummond: “Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia… as afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam …” Se não bater na minha aorta, não escrevo. Temas que se perderão no fim da estrada, não me traga. Mas tenho com a prosa, a preguiça que não me ocorre com a poesia.
Talvez, porque esta tenha o seu desfecho? Já pus um talvez aí. Se não tiver desfecho, retorno até arriar o eixo.
VIA -Como fica a sua relação entre INSPIRAÇÃO e REELABORAÇÃO DO TEXTO ESCRITO na sua criação literária?
CK – Não existe tema deixado de lado. Se eu estiver acordado, capto e corro atrás. Dormindo, acordado, de madrugada, perco muitos versos prontos, por preguiça anota-los. Porém se já estiverem em andamento, abro-os, compulsivamente. Busco e rebusco. Muitas vezes, a reelaboração deixa a criação exaurida e até desfigurada. Isso não é só em poesia. Quando escrevi “A Orquestra dos Mortos”, eu tinha necessidade de mexer nas histórias. Era como revisitar os personagens Envolver-me com eles. Era isso ou mergulhava na ansiosa melancolia.
VIA -Seguramente, todo escritor é antes um leitor. Enquanto leitor, qual autor (ou autores) e qual obra (ou obras) considera mais relevante para ser o escritor que é?
CK – Tenho os meus autores preferidos. Sim. Se for coloca-los no passado, direi, que foi o Victor Hugo, até riscar frase por frase do meu velho, Trabalhadores do mar. Esse livro é todo rabiscado. Tive pena de riscar os Miseráveis. Tive muita necessidade de buscar o John Steinbeck e o seu A leste do Eden, As vinhas da ira, Ratos e homens, A rua das ilusões perdidas, A um deus dessconhecido … me chaparam. Garcia Marquez, sobretudo, O veneno da madrugada e Crônica de uma morte anunciada são livros que não me canso de reler ou de reviver. Quando escrevi o romance Flores para um grande amor (ainda não publicado, trouxe junto A Crônica de uma morte anunciada: mas só pela birra da minha personagem, Tereza, com o marido, deste nunca se desapegar da leitura de um romance latino. Ela tão germânica.
Se não fosse pela preguiça, gostaria de dar prosseguimento à essa história. Buscar o tempo em que Ângela Vicário viveu arrependida, melancólica a escrever cartas (sem respostas) para um silencioso, magoado e distante, Santiago Nazar.
Em As ilhas da corrente, de Ernest Hemingway, na minha concepção, ali está desenhada a vida que todo escritor gostaria de viver. Férias em Paris, pescarias em Aruba com os filhos americanos…
VIA -Da primeira publicação até hoje, quantas obras possuis?
CK – Tenho dez obras publicadas. E mais de dez por publicar.
Mais que isso, uma vez que poesia, eu escrevo sem parar. Não há como contabilizar.
Sobre romances, tenho muita vontade de reconta-los. Todos. De publicar os inéditos e reescrever os antigos. Tenho um em andamento. Mas estava caminhando tão depressa, que resolvi parar a meio caminho. Não sei se quero ir mais além destes. Como disse, se pretendo ter um nome nacional, gostaria de apresentar todos com marcas definitivas. Bem revisados, bem diagramados e mais leves em palavras.
VIA -Qual obra considera a principal?
CK – A minha obra principal é todo o meu pequeno universo. É sobre a qual trabalho. Se tivesse paciência, capacidade de editoração, diagramação, revisão… faria um belo trabalho com cada uma delas. Até A Noiva da cidade, o último, eu gostaria de o deixar mais leve em palavras.
Seria como reescrever cada frase. Geralmente, os olhos se cansam de vê-las. E quando cansam, não veem mais o absurdo. Por mais simples que seja.
Um trabalho profissional precisa de muitos olhos.
Revisão, editoração e diagramação profissionais torna o trabalho muito caro para as editoras e para o próprio escritor.
VIA – Em qual gênero literário se situaria a parte principal de sua criação, e que experiências possui em relação aos outros gêneros literários?
CK – Esta é a pergunta mais difícil de responder.
Gosto das minhas viagens romanescas, e gosto do meu itinerário poético.
Tenho de gostar. Não sei se terei muitos seguidores.
Vivo de antenas ligadas ao projeto de outros. Geralmente, me decepciono com 90% do que vejo, porque percevejo bajulações extremas. Na poesia, tenho três ícones para me
situar: Drummond, Pessoa e Bandeira. Estes três não me bastam. Mas amo os três.
Assim nesta ordem.
Leio poetas do mundo inteiro.
Da França à Paraíba.
Gosto da Adélia Prado, do Manoel de Barros, algumas coisas do Quintana.
Gosto do Afonso Romano de Sant’Anna.
Nunca vi nada que me desorientasse, no Leminski, Yeats, Guillén, Maiakovski, Leonard Cohen … a lista é imensa.
Chega até Chacal. Chega a Ana Cristina César, Auden e João Cabral. Gosto muito do Vinicius que subiu o patamar musical derramando poesia.
A poesia, entre outras, precisa me emocionar. Neste âmbito foi o Belchior.
No meu ponto de vista, cada poeta precisa escrever sua Máquina do Mundo.
Precisa escrever um José. Um poema do Menino Jesus, Tabacaria, Notícia tirada de Jornal ou Vou embora pra Pasárgada.
Como prosador, ninguém teve a competência de Machado, Victor Hugo e John Steinbeck. Só o Graciliano Ramos. Este deveria ser adotado em todas as Escolas, como o prosador nato. Coesão textual mais que perfeita.
Desperdício total, eles morrerem. São os eternos que ainda produzem.
Sofro para copiar o Drummond. Estou sitiado entre as obras destes.
Um dia alguém terá de saber de mim.
Se eu tivesse de escrever diariamente, ou semanalmente para um jornal, como já o fiz há 15 anos atrás, optaria pela crônica.
Há muita gente boa no gênero, além do Rubem Braga e Carlos Heitor Cony. Ninguém chegou a ser um Nelson Rodrigues. Nem o Millôr.
VIA -Quando escreves ficção, ao iniciar a narrativa, a obra está praticamente pronta, ou essa tem vida própria, surpreendendo o próprio autor, só se conhecendo o enredo e o fecho no próprio processo de criação?
CK – Muitas vezes nem o pensamento inicial fica retido, ou nos acompanha até a metade do pensamento básico. Quem escreve a história sou eu, mas quem define o itinerário são os personagens. Até os diálogos, devido à personalidade de cada um. Portanto, quem segura a narrativa são as circunstâncias. É difícil domar uma história. Como disse o Graciliano, toda a nossa personalidade está na personalidade da personagem; se ela muda o seu discurso está mais que óbvio que somos muitos, além de óbvios.
VIA -Como vê a literatura em tempos de Internet, redes digitais, ChatGPT e outros aplicativos de Inteligência artificial?
CK – A Literatura será sempre literatura, enquanto houver sonhos, enquanto houver o cinema, as séries, as novelas, o delírio___ Se tivermos incentivos nas escolas, com uma formação mais aprofundada, mais aplicada neste sentido, a receptividade seria outra, naturalmente.
Tenho uma poesia que diz:
“Deem filosofia às crianças. Elas precisam se alimentar. Tirem a matemática aos poucos. Os males saem mesmo é com o tempo“.
Li em algum lugar, que os países mais evoluídos da Ásia oferecem com mais
intensidade a Literatura e a Filosofia, por entenderem que mais do que a Álgebra a criança precisa treinar o raciocínio amplo (não especifico) e assim, alimentar/expandir a palavra, que passa a definir o grau cognitivo e de excelência de qualquer profissional. Não podíamos era continuar na trilha da Escola Medieval, como estava ocorrendo com a orientação cimentada do grupo que foi “felizmente” afastado do poder.
VIA – Em uma palavra, qual o maior problema para a poesia e a ficção, para a literatura hoje?
CK – Numa palavra, divulgação. Em duas, divulgação e oferta (distribuição).
VIA – Em qual (ou quais) projetos literários está se dedicando no momento?
CK – Somos carentes de projetos.
Mas estarei aberto aos projetos que a minha Editora – Via Literarum me apontar.
Vejo chegar, em excelente momento, o projeto sacerdotal do Rafael Gama, Alvorecer.Poesia. Persistir em algo tão grandioso para o futuro da nossa poesia, para a história da nossa região, sem dinheiro na frente, sem patrocínio é quase utópico.
Rafael vive essa distopia. Aliás, ele está envolvido em diversos projetos voltados à literatura local.
A exemplo de mim, ele também não é daqui de Itabuna. Nós adotamos Itabuna. No meu caso, ela que me adotou, porque aqui cheguei adolescente. Sua história, sua riqueza, sua poesia, a fortuna deixada pelos primeiros escritores e poetas nos confirmou como cidadãos desta terra. Eu tenho muita música feita para esta cidade. E muita poesia também. Rafael Gama ao que me parece, não é poeta nem escritor. É o mecenas que se entregou às nossas artes. E como se entrega a isso!
Finalmente, alguém obstinado em dar voz à literatura local. Em descobrir valores escondidos. Tirar a poesia local do seu pesado baú de ossos. A sua inserção neste momento é a maneira de alimentar e de impulsionar os sonhos que até ontem sonhávamos praticamente sós.
Carlos Kahê