Encontro em prosa e verso: Agenor Gasparetto

VIA LITTERARUM: Encontros Prosa e Verso com o editor, escritor, professor Agenor Gasparetto – AG

Agenor Gaspartetto
Agenor Gaspartetto

Questões da Via Litterarum, pensadas para os seus autores, mas não apenas, que serão entrevistados pelo projeto Via Litterarum Encontros em Verso e Prosa, abordando alguns tópicos com vistas à compreensão acerca do ato de escrever e sobre a criação literária propriamente dita. Nesta, as perguntas são respondidas pelo próprio editor, Agenor Gasparetto-AG.

SOBRE O ATO DE ESCREVER

VIA – Como e em que momento ou circunstância se percebeu como LEITOR e que a leitura faria parte de sua vida?

AG – Antes de ser leitor, gostava de ouvir histórias. Histórias dos mais velhos nos serões da família, de meu pai, que chegou a ler capítulos do Gênesis da Bíblia, de um professor com quem fui até o quarto ano da antiga escola primária – Horácio Balbinot. Esse professor, nesse último ano, tinha um hábito que marcou pelo menos a mim. Antes do final do expediente de cada aula, uns 10 a 15 minutos, pedia para todos guardarem seus pertences, cruzar os braços e, em silêncio, ouvir a sua leitura de livros de histórias infanto-juvenis até soar a campainha. No dia seguinte, no finalzinho da manhã, continuava a leitura. Ao ir para a escola, a pé, ia querendo saber como aquela história continuaria.

VIA – Como e em que momento ou circunstância se percebeu como CRIADOR LITERÁRIO ou AUTOR e que escrever faria parte de sua vida?

AG – Bastante tardiamente. De todas as histórias ouvidas enquanto criança, imaginei criar versão escrita de uma. Tratava-se de homem que migrou da zona rural para a cidade. Lá, por razões de ciúmes, tentou assassinar sua esposa. Teria sido amaldiçoado pela sogra e por 18 anos perambulou ao longo do curso do rio das Antas e dois de seus afluentes. De vez em quando fazia incursões furtivas em vilarejos para suprir alguma necessidade, como fósforos, cigarros, e, às vezes, cruzava com pescadores, encontros rápidos, sempre esquivo e apressado. Vivera escondido nas matas, sobrevivendo de pesca, caça ou coleta, ou pela maldição, ou pelo medo da polícia, de ser preso. Consegui realizar essa narrativa no livro Regressantes, no contoO Amaldiçoado, mas criei um segundo conto para dar conta da versão da mulher para esse mesmo episódio, em A Fraqueza de Glória. Essa versão ficcional escrita surgiu para narrar a versão oral.

VIA – Hoje, em termos de ocupação do tempo dedicado ao trabalho, qual o espaço ocupado pela literatura?

AG – A literatura ocupa espaço expressivo no dia a dia; não tanto a própria, mas a dos autores da editora. Ler as obras que publicam, conversar e realizar atividades concernentes ao mundo literário ocupa parte importante do tempo. Ainda que escreva, não o faço de forma contínua e sistemática. Contudo, quando sinto que devo fazê-lo, escrevo. O livro de crônicas Êxtase, de Birra com Jorge Amado e Outras Crônicas Grapiúnas foi um destes momentos.

VIA – Alguns autores escrevem como uma necessidade existencial. Se fosse possível resumir a motivação principal do porquê escreve, qual seria?

AG – Escrever não me pressiona. Escrever não é uma necessidade existencial; não me sinto compelido a escrever. Não gosto da ideia de ter que escrever de forma contínua, todo dia ou toda semana. Talvez viesse a fazer isso se fosse por razões de sobrevivência. Meu objetivo na literatura é oportunizar que outros tenham espaço para publicar para que nenhum talento se perca por falta de oportunidade. Mesmo assim, às vezes escrevo quando observo e sinto que algum fato ou alguma vivência merece ser “eternizado”, se é que podemos falar neste termo. Como um equivalente a uma fotografia, digamos.

VIA – No período de um dia, qual seria a rotina enquanto escritor?

AG – Como escritor, propriamente dito, não há rotina. Não escrevo regular e sistematicamente. E quando o faço, é para dar versão escrita ao que já está praticamente pronto na mente. Contudo, como editor, por razões óbvias, muito do tempo consumo com a literatura e questões concernentes.

VIA – Como fica a relação entre INSPIRAÇÃO e REELABORAÇÃO DO TEXTO ESCRITO na sua criação literária?

AG – Creio que seja possível aprimorar um texto. Reelaborar pode melhorar um escrito. Afastar-se do texto, dar um tempo, e depois voltar a revê-lo pode contribuir, ou confiá-lo a algum leitor, escritor ou não. Como primeiro construo a narrativa mentalmente, quando passo à versão escrita, há pouca mudança a ser realizada. Mesmo assim, parece relevante rever e reelaborar. No entanto, é preciso cuidado para que a reelaboração não apague intuições orginais, não destrua lampejos de genialidade. Confio na intuição original, no lampejo ou vislumbre. Apego-me a ela e reluto em perdê-la. Por isso, a reelaboração, ainda que necessária, não pode desfigurar o sentido primeiro de uma inspiração.

 

SOBRE A CRIAÇÃO LITERÁRIA

VIA – Seguramente, todo escritor é antes um leitor. Enquanto leitor, qual autor (ou autores) e qual obra (ou obras) considera mais relevante para ser o escritor que é?

AG – Desde criança gostava de ouvir e depois de ler histórias. Em cada fase com suas preferências. Leituras por escolha, ou por obrigação escolar. Assuntos variados. Gostei de ler quando jovem José de Alencar, Hermann Hesse, John Steimback. Mais tarde, Shakespeare me impactou, especialmente pela força das tragédias; Guimarães Rosa pela linguagem. Muitos livros da Bíblia e suas muitas histórias. Mesmo assim, por não ser da área de Letras e ter pouco tempo livre pela necessidade de sobreviver, creio que não tenha lido muito.

VIA – Da primeira publicação até hoje, quantas obras possui?

AG – Considerando obras com teor literário, cinco pequenas publicações. Duas como edições próprias, uma infantil, mais uma de contos, e agora uma de crônicas. Observo que as primeiras duas têm um viés sociológico. As últimas, ainda que persista esse viés, o literário propriamente dito está mais evidente. Essa trajetória aparece com nitidez no último livro. Nas primeiras crônicas, do início do milênio, esse viés está bastante presente. Já nas últimas, o literário propriamente dito ocupa o primeiro plano. As autoedições estão, de alguma forma, na raiz da criação da editora.

VIA – Qual obra considera a principal?

AG – Tenho escrito poucos livros e poucas páginas em cada um. Sou, por assim dizer, um aprendiz ou uma pequena plantinha perto de árvores gigantes e frondosas, pela sombra e pela quantidade de seus frutos, que nossa editora teve o privilégio de publicar. Alguns com mais de 10 obras já publicadas pela editora, sem contar em outras editoras, e, seguramente, outras tantas por publicar. Em geral, quando se trata de autores que escrevem respondendo a algum imperativo de ordem existencial, digamos, provavelmente tenham muitas obras ainda por publicar. Regressantes creio que seja a obra principal, ainda que goste particularmente da última.

VIA – Em qual gênero literário se situaria a parte principal de sua criação literária e que experiências possui em relação aos outros gêneros literários?

AG – Como autor, sinto-me mais à vontade na crônica por ser mais próxima dos escritos acadêmicos na área de Humanas. A ficção propriamente dita me parece mais difícil por implicar em construir um universo simbólico próprio. Como leitor, gosto do conto, do romance, da peça teatral. Infantil e infanto-juvenil associado às ilustrações me parecem encantadores, especialmente quando há sensibilidade. Poesia considero o gênero mais difícil, em todos os sentidos, para escrever, para interpretar e para avaliar. Configura-se no gênero mais subjetivo. Na poesia, em geral, gosto mais de poemas do que propriamente de obras inteiras de autores. Dentre os autores consagrados, gosto de Fernando Pessoa e de Vinicius de Moraes.

VIA – Quando escreve ficção, ao iniciar, a narrativa está praticamente pronta ou essa tem vida própria, surpreendendo o próprio autor, só se conhecendo o enredo e o fecho no próprio processo de criação?

AG – Quando escrevo, a narrativa está praticamente pronta. Quando decido ser momento para escrever, a obra está literalmente na mente. Sendo assim, não há propriamente surpresas. No entanto, na construção mental, o processo pode ser bastante lento e creio que nem sempre o enredo está pré-definido em seus detalhes. Uma situação pode suscitar desdobramentos, mas não lembro que um final tenha mudado em razão desses desdobramentos. Concebo o conjunto e, aos poucos, esse ganha contéudo e consistência.

VIA – Como vê a literatura em tempos de Internet, redes digitais, ChatGPT e outros aplicativos de Inteligência Artificial?

AG – Como editor, posso afirmar que nunca se teve tantos autores quanto no presente. Há uma multiplicação de autores e de editoras também. Nunca fora tão fácil publicar. Vivemos um boom quantitativo. Metaforicamente, muito cascalho, sem dúvidas. Não saberia dizer dos diamantes. Não ouso avaliar de forma conclusiva quanto à qualidade. Vou delegar ao Senhor das Horas e dos Séculos esse papel. Contudo, creio que há diamantes, há qualidade nessa efervescência quantitativa. E essa será oportunamente reconhecida. A Internet e especialmente os aplicativos de Inteligência Artificial vão exigir cada vez mais dos autores, como dos professores e de todos os profissionais em geral. São ferramentas poderosas. Será difícil e talvez poucos autores conseguirão se impor e se diferenciar pela qualidade narrativa e poética frente a textos e poemas escritos pelo ChatGPT e aplicativos equivalentes no futuro próximo. Essas ferramentas nas mãos de escritores poderão multiplicar ainda mais a produção. Se constituem em um desafio, em uma ameça e também em oportunidades. Um norte a ser seguido pelos autores nestes tempos, frente a essas ferramentas, é conferir ao texto e ao poema autenticidade e originalidade. Conseguir dotar um texto ou um poema dessa singularidade, humanamente falando, é assegurar um lugar ao sol.

Para encerrar, vamos fazer um exercício de ”ficção”: quando a mente humana estiver de alguma forma conectada à Inteligência Artificial e o corpo dessa criatura denoninada Homo Sapiens, para não blasfemar, conseguir resolver os problemas técnicos da longevidade, para que possa viver ao menos a la Matusalém, estaremos no limiar de um novo tempo. Tempo de vertigem, para nós Humanos, tão magnificamente definidos por Shakespheare, na fala de Hamlet*. Estaremos diante de um novo “humano”, numa versão de Super Homem, tomando de empréstimo expressão de Nietzsche, que nos olhará, seguramente, como nós historicamente olhamos para outras criaturas de que evolutivamente descendemos e somos geneticamente mais próximos. Os tempos que se avizinham, nesse sentido, como sinaliza Yuval Harari, são assombrosos. O “Novo Mundo”, o Cosmos e suas dimensões inimagináveis, requererá um novo corpo, pois o corpo biológico que conhecemos não parece compatível para essa nova jornada, para além deste belo planeta, que será empreendida, assim como o  tempo, como referi acima.  Tempos de angústia e de vertigem se avizinham, tempos em que poderemos ser percebidos como primitivos, indesejáveis e descartáveis. Trata-se apenas uma hipótese que assusta, mas que está ganhando corpo diante dos nossos olhos.

VIA – Qual o maior problema para a poesia e a ficção, em uma palavra, para a literatura hoje?

AG – Hoje o grande problema está em encontrar quem esteja disposto a investir na compra de livros. Criar e publicar está bastante acessível. Para o autor, o desafio é ser conhecido e reconhecido como criador literário. Afora isso, há a concorrência da Internet como espaço para publicação e veiculação de conteúdo literário. E persiste o velho problema da distribuição e circulação das publicações impressas. Em tempos de tiragens pequenas, esse problema torna-se ainda maior. O reconhecimento público via alguma premiação pode ser um atalho para essa notoriedade e para o rompimento do círculo restrito em que o autor se encontra; mas poucos são os que conquistam premiações.

VIA – Em qual (ou quais) projeto(s) literário(s) está se dedicando no momento?

AG – A prioridade é viabilizar os projetos da editora enquanto editora. Retomar e reimpulsionar o projeto abxz Caminho das Pedras, viabilizar o projeto Via Litterarum Encontros em Prosa e Verso, para o qual esta entrevista pretende ser um aporte. A editora é a prioridade. Afora isso, será possível também criar literariamente.

*  “Que obra-prima é o homem! Como é nobre em sua razão! Como é infinito em faculdades! Em forma e movimentos, como é expressivo e maravilhoso! Nas ações, como se parece com um anjo! Na inteligência, como se parece com um deus! A maravilha do mundo! O padrão de todos os seres criados! E, mesmo assim, que significa para mim essa quintessência do pó? …” (Shakespeare, Hamlet).

 

Assista a entrevista completa

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