Encontro em prosa e verso: Adylson Machado

Adylson Machado
Adylson Machado

A Editora Via Litterarum – Via entrevista o poeta, escritor, advogado e professor Adylson Machado, abordando algumas questões com vistas à compreensão acerca do ato de escrever e sobre a criação literária propriamente dita.

SOBRE O ATO DE ESCREVER

VIA – Como e em que momento ou circunstância se percebeu como LEITOR e que a leitura faria parte de sua vida?

AM – A leitura foi descoberta no imediato da primeira oportunidade de aprendizado, quando entendemos a representação contida em palavras reunidas. Naquele imediato da descoberta de encontrar antigas revistas e almanaques de Biotônico, Capivarol, d’ Pensamento, um ou outro cordel, e, principalmente, os Livros de Leitura de Felisberto de Carvalho, que haviam pertencido aos pais, escancaram um universo de impressões para o menino. A coletânea infanto-juvenil de Monteiro Lobato já fora ‘devorada’ antes de completados os 12 anos. Daí a leitura como parte do essencial.

VIA – Como e em que momento ou circunstância se percebeu como CRIADOR LITERÁRIO ou AUTOR e que escrever faria parte de sua vida?

AM – Quando do registro dos primeiros versos na puberdade. E de que registrando as impressões estava a eternizá-las. Inclusive abrindo oportunidades para redescobri-las.

VIA – Hoje, em termos de ocupação do tempo dedicado ao trabalho, qual o espaço ocupado pela literatura?

AM – O trabalho apenas complementa.

VIA – Alguns autores escrevem como uma necessidade existencial. Se fosse possível resumir a motivação principal do porquê escreve, qual seria?

AM – Naturalmente o hábito há de ser confundido como ‘necessidade existencial”. Mas desconhecemos quem, em plenitude, possa corresponder a essa “necessidade”. Naturalmente os que a descobriram dificilmente dela se afastarão. Mas, desconheço quem tenha sucumbido diante da impossibilidade de escrever. Faltar-lhe-á uma parte, um pedaço de si. Diferentemente do faltar a comida e a água.
Em nível de motivação há a ideia de que o escrever constitui única forma de legar a experiência aos demais. Há quem se fecha em si, através da meditação espiritual, consciente de sua contribuição para a Humanidade. O escrever para nós, a única forma de levar o individual aos que possam acessá-lo.

VIA – No período de um dia, qual seria a rotina enquanto escritor?

AM – Refletir, anotar, ler, escrever, reescrever, corrigir.

VIA – Como fica a relação entre INSPIRAÇÃO e REELABORAÇÃO DO TEXTO ESCRITO na sua criação literária?

AM – A inspiração exige registro imediato; o reescrever constitui o aperfeiçoamento da pretensão a alcançar, o burilar.

SOBRE A CRIAÇÃO LITERÁRIA

VIA – Seguramente, todo escritor é antes um leitor. Enquanto leitor, qual autor (ou autores) e qual obra (ou obras) considera mais relevante para ser o escritor que é?

AM – Enquanto leitor fomos marcado pela poesia, que se nos afigurava através das declamações em festas cívico-escolares. Depois o romance, a crônica e o conto. Não necessariamente nesta ordem. Castro Alves, Bilac. Bernardo Guimarães, José de Alencar, Humberto de Campos, Júlio Ribeiro, Lima Barreto, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Raquel de Queiroz, José Lins do Rego, etc.; Victor Hugo, Herman Hesse, Sommerset Maughan, Agatha Christie, Kafka, Vargas Villa, Eric Fromm, Camões, Almeida Garret, Júlio Diniz, Eça de Queiroz etc.; e um apreço muito especial por autores russos como Tolstói, Dostoiévski. No curso da existência outros muitos foram descobertos, alguns até tardiamente.

VIA – Da primeira publicação até hoje, quantas obras possui?

AM – Sete, as publicadas. E alguns artigos e ensaios em jornais, revistas e blogs.

VIA – Qual obra considera a principal?

AM – “Amendoeiras de Outono”. Como diria Gilberto Gil, uma ‘obra seminal’ para o autor, que sobre ela se debruçou como projeto de vida e imaginou-se (ainda que pareça pretensão) um Mário Palmério com “Chapadão do Bugre” ou Guimarães Rosa traduzindo os ertões. Inclusive buscou inovar (outra pretensão) no plano estético do romance quebrando regras clássicas defendidas pela doutrina literária.

VIA – Em qual gênero literário se situaria a parte principal de sua criação literária e que experiências possui em relação aos outros gêneros literários?

AM – Naquilo que se encontra editado: romance, conto, crônica e ensaio. E poesia inédita.

VIA – Quando escreve ficção, ao iniciar, a narrativa está praticamente pronta ou essa tem vida própria, surpreendendo o próprio autor, só se conhecendo o enredo e o fecho no próprio processo de criação?

AM – Uma ideia ou fato norteia o escrever. Seja-o em nível de ficção ou não. Particularmente não temos nada elaborado. A narrativa é parceira do processo criativo e muito pode a ele ser agregado. Há quem exercite um método. Érico Veríssimo elaborava até mesmo os croquis do espaço físico em que se desenrolaria o texto.

VIA – Como vê a literatura em tempos de Internet, redes digitais, ChatGPT e outros aplicativos de Inteligência Artificial?

AM – A denominada IA precipitou em nível do que seria ficção científica. A internet contribuía em duas vertentes: uma de contribuição; outra, de alienação, inclusive no padrão da escrita quando começamos a retornar às cavernas registrando símbolos. Como sou do tempo de ‘bacalhau em barrica’ e, de certa forma, idiossincrásico diante do que surge na atual Civilização, caberia indagar, em dimensão humanística, a quem está servindo ou servirá os atuais avanços. No plano da escrita como ficará o sentir e o sentimento de transcrevê-lo. A expressão do sentimento é tipicamente animal, humana. Repetir experiências no círculo vicioso além do universo humano não originará um ‘inconsciente coletivo” junguiano. Caso tal ocorra a Civilização está finda.

VIA – Qual o maior problema para a poesia e a ficção, em uma palavra, para a literatura hoje?

AM – Leitor. E a falta deste tem origem na ausência de um processo de aprendizados que tenha a leitura como valor no dia a dia e não somente para instrumentalizar o que denomino de ‘cultura da certificação’, de ler para fazer a prova (muitas vezes alcançando apenas o texto que interessa) ou o trabalho escolar.

VIA – Em qual (ou quais) projeto(s) literário(s) está se dedicando no momento?

AM – Um romance, em fase de conclusão, depoimentos…

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