Nos catorze contos deste livro de Saulo Dourado, natureza íntima e intelecto se unem ou se embatem para decidir quem mais fala do desejo e do destino. Aquilo que foi rejeitado em tempos remotos e a cada vez na formação de uma pessoa, desde a selvageria ao impulso pelo absoluto, volta nas brechas dos gestos e da vontade. Qual seria a reação possível: dominar, extrapolar, ignorar, canalizar ou aceitar a força primária? E seria mesmo possível decidir a respeito do próprio ímpeto, se for ele mesmo o que fizer decidir?
Cada personagem se desafia no equilíbrio de opostos. O amor vem por beleza ou por contrabando, e no mar onde toda a química se iniciou, reviram-se futuros destroços e fragmentos, em um ciclo de início e de desfecho. Fernando Muriel, de Relato Armazenado, acredita que a civilização foi longe demais e nós todos passaremos a nos negar uns aos outros até o último. Renata e Carlos, de Um cílio no teu polegar, e os poetas de Descida, indicam que a sorte está sempre lançada e é possível nos relermos, nos refazermos a cada vez. Quem será, num só passo, dono aí do sim e do não?
Assim estamos também no mar de Salvador, com sua praia de cores – umas mais recusadas do que outras –, em Química, a paixão de um rapaz por um comandante aéreo, no relato de Selva, o casal de intelectuais nas ladeiras, no bem-humorado Ensaio Sobre Jonas. Se em contos como A Cidade Feita para Nós e Aperte o Botão Laranja pergunta-se sobre a possibilidade de sermos felizes e civilizados a um só tempo, nas histórias de tragédia ou de alegria é buscada a paixão como o melhor dos descontentamentos. Talvez, assim, a trajetória dos Curie nos conduza, a lucidez do escritor de cartas em Amantes Futuros nos inspire, o céu de Bastydores, com Borges e Glauber Rocha, nos dê vigor, e o sertão de O Homem e sua Bacia e O Gosto no Quintal nos lembre de ser possível virar mar.
Autor: Saulo Dourado
Saulo Dourado nasceu em Irecê-BA e vive em Salvador. Licenciado e mestre em Filosofia pela UFBA, publicou o seu livro de contos O Autor do Leão (Domínio Público, 2014) e a obra infantil O que não se fala em Kenakina (SEC/SECULT, 2014), selecionada para distribuição nas escolas pela Coleção Pactos de Leituras. Assinou ficções no suplemento A Tardinha, do Jornal A Tarde, de 2010 a 2015. Venceu os prêmios portugueses de literatura Ferreira de Castro e Correntes D’Escrita/Papelaria Locus, em categorias para prosa de jovens autores.