Abraão observa os agrupamentos de casas à beira das estradas; a beleza acanhada desses lugarejos sem nome; o modo como as casas se apertam, apinhadas, quase sem pintura, generosas, ao escorarem aquelas desenganadas pelo tempo (…) a tristeza refletida na cara das pessoas denota a solidão, companheira, nessas vilas sem novidade. As cidades se assemelham em miséria e abandono; bairros erguidos sobre colinas à beira da estrada descortinam habitações precárias, de zinco e de papelão; suas gentes, os olhares famintos, nem imaginam o que seja viver feliz… “Não se vive mais, assim, em país algum, sem que se pense numa leva revolucionária de abalar o mundo! ”.
A história deste Abraão ocorreu na longínqua infância do narrador, um sábado chuvoso, cujo relato feito pela própria personagem se assemelhava a uma promessa de vida brotada de dentro das paredes da casa vizinha: as palavras iam sendo despejadas e o menino-ouvinte, como um apanhador, foi recolhendo cada detalhe e transformando aquilo em semente de memória. A história ficou guardada no coração, os anos se passaram, mas a impressionante história não passou para CARLOS KAHÊ, o seu autor, e quando surgiu a oportunidade de recolher os frutos do relato que ouvira lá no passado, ao trabalhar o legado como romance, o que lhe sobrara já tomara novas formas e ele não teve como refrear a impulsividade da personagem e, assim, foi obrigado a abrir mão da originalidade para ganhar a universalidade dos homens interessantes. O Abraão que ora temos em livro, a despeito de todas as suas qualidades corrosivas, pode ser a senha a abrir espaço para este autor. Para os leitores, a oportunidade de revisitar nichos culturais espalhadas ao longo da leitura.
Autor: Carlos Kahê
Carlos Kahê é professor de literatura; pós-graduado em jornalismo, economista, compositor e autor de O Bailado Humano livro de contos publicado pela Editora 7 Letras, Rio; Sangue na Rua das Flores, romance lançado pela Helvécia, Salvador; A Rosa do Tempo, livro de contos publicado em SP, pela Livronovo e o romance Um rio perene, Editora seven&system, SP. No plano artístico, Kahê participou de inúmeros festivais e mostras musicais; tem publicações em revistas e coletâneas nacionais; poeta, ele está sempre perfumando sua prosa com a poesia, mas sempre atento à clareza e à concisão, estilo que somado à leveza de suas narrativas tem encurtado muito a distância entre o seu texto e o seu leitor.