O que distingue o gênero romance e lhe confere um estatuto canônico é a tipologia de narrativa ficcional que, originando-se organicamente, tal como a concebemos hoje, desde o século 19 — e cujo marco talvez obedeça à menção obrigatória de Flaubert e seu Madame Bovary, em 1857 —, permanecesse caracterizando o discurso narrativo como um legado do relato oral desde a mais remota idade, oriundo da efabulação e do prazer de contar e ouvir histórias, o que, em última análise, representa o recontar do próprio trânsito humano exilado no senso comum de existir.
Como, no século 19, não contávamos ainda com a Psicologia nem a Sociologia — ciências intrinsecamente associadas ao desvendamento da experiência e personalidade individual e coletiva — o romance serviu como instrumental empírico para preencher as evidentes lacunas na investigação desses campos. O romance baiano do século 20 é herdeiro legítimo das apropriações acima referidas. Sua evolução se deveu à ampliação dos objetos originais e ao aperfeiçoamento progressivo das técnicas de composição, revelando, junto com o acréscimo constante de nomes, a acumulação de identidades estruturais e temáticas que singularizam o gênero no panorama da literatura brasileira.
Autor: Jorge de Souza Araujo
Escudado em misteres profissionais exercidos durante 53 anos (comerciário, bancário, jornalista e, sobretudo, professor – carreira em que se fez mestre e doutor pela Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro e servidor público militando no ensino superior), Jorge de Souza Araujo teria acumulado menos experiências que anseios de descobertas. Também se faria pesquisador, poeta, ficcionista, dramaturgo e ensaísta, sempre buscando desvelar epifanias e alumbramentos, conhecimentos de si e dos demais humanos espelhados em tarefas intelectuais. Sertanejo de Baixa Grande (cidadezinha encravada na aridez da paisagem catingueira da Bahia), cedo migrou para outras regiões do Brasil contíguo ou longínquo e para o universo dos desvelos humanistas. Idealista sem remédio, deu disso provas ajudando a povoar o mundo com filhos e netos, e publicando mais de quatro dezenas de livros, revelando esforços de interpretação do leitor colonial, José de Anchieta, Antonio Vieira, poesia e prosa do Romantismo brasileiro, Machado de Assis, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, Jorge Amado e outros autores, assuntos, matérias, pensamentos e emoções.