As novas tecnologias simplificaram e muito a edição de livros. Foi-se o tempo do ato de publicar estar ao alcance de poucos. Vivemos tempos em que o acesso à publicação de um livro se democratizou.
Ouso afirmar que, hoje, o problema não mais se situa ou implicava na edição em si, mas encontrar interessados em comprar o livro editado. O nó do problema do livro se situa em ser bom ou convincente o suficiente para interessar e alguém se dispor a pagar pelo preço cobrado.
A propósito, as livrarias cobram comissão, em geral, em torno de 50% do valor de capa, ficando a editora ou autor responsável pelo frete de ida e, se não houver as desejadas vendas, seguramente também o de volta. As distribuidoras, para quem não tem tempo e nem paciência para ir de livraria em livraria para oferecer seus títulos e depois refazer essa mesma peregrinação várias vezes para receber a parte que lhe cabe das vendas, a comissão ficará próxima dos 60%, dado que caberá a distribuidora colocar os livros nas livrarias, pagando a comissão dessas, e cobrando por esse trabalho.
A rigor, comissões altas de livrarias e distribuidoras encarecem o livro. É preciso não perder de vista que a editora (e/ou o autor) precisa arcar com todos os custos, que vão da revisão à impressão, passando pelo projeto gráfico, capa, diagramação e todos os itens que compõem a editoração, da ficha catalográfica, ISBN ao código de barras, além de remunerar o autor, em torno de 8 a 10%, a título de direitos autorais.
Em geral, o autor, responsável pela obra literária, percebe que a parte que lhe cabe é pequena. Considerando ser quem de fato criou, redigiu, lapidou frase a frase, ou verso a verso, burilou seu texto, investindo muito tempo para essa elaboração, seguramente, será pouco o que irá receber, salvo exceções.
Neste ponto, emerge uma racionalização que quase sempre funciona: não importa tanto o rendimento, o retorno financeiro, mas o reconhecimento público do valor literário, artístico ou técnico-científico de sua obra. E esse discurso do reconhecimento atenua a dura realidade. Não que não haja que queira, efetivamente, dar permanência a conteúdos que inapelavelmente se perderiam para sempre não fosse o registro na forma de uma obra. Não dá para generalizar. O que parece certo é que, financeiramente falando, salvo exceções, o tempo investido na produção pelo autor não é remunerado pelos rendimentos da obra publicada. Todavia, isto está longe de inibir a criação e a publicação. Mesmo porque, aos olhos do autor, após o momento da criação, parece partilhar a expressão de Deus bíblico após seis dias do trabalho da criação: “Deus viu tudo o que tinha feito: e era bom.” (Gênesis, 1:31).
O autor, com toda a razão, parece partilhar desse sentimento ao ver sua obra pronta. Trata-se do efeito do ato de criar, que compartilha do fazer divino: não havia nada, mas palavra a palavra, verso a verso, frase a frase, fez-se o poema, fez-se o texto e a obra literária foi criada, obra-prima no encantamento do autor frente a esse sublime fazer.
Isto posto, há um fato relevante que favorece a publicação nos tempos atuais: a possibilidade de publicação em pequenas tiragens, a impressão digital a um custo bastante acessível. Foi-se o tempo da necessidade de tiragens grandes, a partir de 1000 ou mais exemplares para que o custo unitário fosse compensador.
Obviamente, mesmo assim, publicar em pequenas tiragens praticamente inviabiliza a venda no sistema convencional de livrarias e distribuidoras. Qualquer análise de custos irá revelar que depois de pagar os custos de uma pequena tiragem, especialmente na primeira impressão, a comissão a ser paga inviabiliza esse meio de venda. Contudo, dado que se trata de uma pequena tiragem, um bom lançamento praticamente custeia a edição.
A rigor, pequenas tiragens são oportunas para quem dispõe de nichos de mercado, como professores, palestrantes e todos os que têm públicos cativos a quem poderão ofertar e vender esses livros, pelo preço cheio. E ainda que a relação custo-benefício seja apenas que um livro vendido pague o custo de dois, dado que o ideal seria que fosse pelo menos três, nas vendas diretas, a pequena tiragem se esgota rapidamente e por ser pequena, o custo relativo total é relativamente baixo.
Há ainda uma vantagem na pequena tiragem, dado que os custos da primeira impressão tem componentes únicos, avaliação e decisão sobre a qualidade da obra, a revisão, capa, diagramação, ficha catalográfica, ISBN, Depósito Legal, por exemplo, a reimpressão fica mais em conta, diminuindo a fração do custo em relação ao preço final de venda.
Como editor, tenho procurado orientar os autores pela pequena tiragem, pelas razões acima expostas. Obviamente, havendo sucesso, há a possibilidade de reimpressões e até mesmo impressão em tiragem mais elevada, não mais digital, mas off-set. Mas isto apenas nos casos em que o mercado sinaliza ser isto viável. Do contrário, será mais prudente continuar na via conservadora, menos arriscada, dado que, como se disse na abertura deste texto, o grande desafio de um livro é seduzir leitores e que estes estejam dispostos a pagar por ele. O que sabemos, todos, é que isto não está sendo fácil. E, provavelmente, nunca tenha sido.
As dificuldades são próprias de mercado. Nos tempos de hoje, há muito mais editoras e muito mais autores do que no passado recente, no final do século passado. A autoria foi democratizada. Os autores se multiplicaram. As obras também. Nos últimos 15 anos, multiplicaram-se autores e obras e aumentou a relutância das livrarias em receber de editoras e de autores independentes livros físicos. Esses ocupam espaço, que custa, razão pela qual preferem autores e obras conhecidos do público. As livrarias não têm nem lugar, nem tempo e talvez nem condições de desenvolver mercado para os novos autores, ainda desconhecidos.
A criação desse necessário mercado continuará sendo empreendimento das pequenas editoras e dos próprios autores. È o que fazemos, as pequenas editoras, e nisso há um mérito indiscutível e merecedor de atenção especial do Poder Público nas compras governamentais. Com o risco de ainda perder o autor quando esse ganha visibilidade e percebe que seu mercado extrapolou o local e o regional, espaço das pequenas editoras.
Enfim, à pergunta ¨como publicar um livro?¨, a resposta me parece óbvia. Simples, fácil e bastante em conta. Em tempo nenhum foi tão acessível ser autor. Tecnicamente, publicar um livro passou a estar ao alcance de muitos. As pequenas editoras, entre as quais nos incluímos, provam dia-a-dia esse fato. O que parece mais difícil é conseguir, reprisando, encontrar quem queira pagar pelo livro.
Há mais dois aspectos a destacar: o primeiro é que com a democratização, com a emergência de um tempo em que se ampliou muito a possibilidade de alguém escrever, como acontece nos processos de democratização, há seguramente perda da qualidade média das publicações, literariamente falando. Em outros tempos, a condição de autor era mais restrita e mais difícil em todos os sentidos. Poucos poderiam se arvorar a serem autores. Com a quantidade, seguramente, houve perda de qualidade. Mas esse é um outro problema, problema que cabe ao tempo dizer sua palavra. E a história fará a necessária depuração.
O outro aspecto refere-se ao livro eletrônico, ebook ou não. Esse disponibilizado gratuitamente ou a um preço bem mais em conta do que o impresso. Ainda que a aquisição de ebooks tenha perdido o charme inicial, do lançamento dessa tecnologia e suas promessas, preferindo a maioria o livro físico, há que se ter em mente que é uma via aberta e no longo prazo a versão eletrônica deverá prevalecer. A nossa editora, aos autores que desejam, já faz as duas versões. No entanto, o brilho nos olhos do autor acontece quando o livro físico chega às mãos. Há uma mística que demorará ainda um bom tempo para que se perca e para alguns, esse tempo não chegará.
Texto publicado na revista da III FELISQUIÉ; FESTA INTERNACIONAL DO SERTÃO DE JEQUIÉ, junho de 2018, páginas 16 e 17. Jequié, Bahia.
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*Agenor Gasparetto, sociólogo, editor da Via Litterarum Editora