ÊXTASE, de Birra com Jorge Amado e Outras Crônicas Grapiúnas é um pequeno livro prazeroso, de Agenor Gasparetto, que acaba de ser publicado pela Via Litterarum, editora que pertence ao autor. Uma editora independente que tem como saldo positivo um catálogo rico de autores conhecidos e emergentes. A façanha foi obtida ao longo dos anos com sacrifício e heroísmo, tornando a iniciativa pioneira no interior baiano.
O livro reúne no seu elenco oito crônicas, algumas estão mais para o pequeno ensaio, de natureza técnica na escrita, correspondendo assim ao trato específico que o assunto escolhido exige para a abordagem, a análise sem devaneios. O pensamento usa linguagem objetiva, desdobra o tema com segurança, informa com argumentos inteligentes alguns importantes aspectos da vida. Na prosa precisa incursiona nas questões sociais e históricas do contexto.
Neste pequeno livro de escrita leve, Agenor Gasparetto mostra que sabe compor quadros belos com a crônica. Em “Êxtase”, que abre o livro, minha preferida, o autor comove ao flagrar com fina sensibilidade o momento de um homem pobre que gosta de alimentar os passarinhos com uns dois punhados de milho moído. O diálogo que se estabelece entre os passarinhos e o homem que os alimenta passa diante do leitor a emoção pura de um instante em que as relações da existência se dão bem quando conectadas com a surpresa de ser no êxtase revestido de puro contentamento.
Em “Cachoeira, o Rio de Minha Vida”, o cronista com uma lírica prosa trivial que prende reinventa o cenário do cotidiano ligado na natureza, conduzindo como personagem central o rio Cachoeira e sua coreografia, exibida assim com beleza pelo entardecer com a chegada dos pássaros. Um espetáculo singular faz com que o cronista revele, como Pessoa, o genial poeta português, que o rio do coração está no pé de uma aldeia, dessa vez chamada Itabuna.
Outra amostra de texto bem-sucedido está visível na crônica “Do Culpado e dos Tempos de Antigamente”, que guarda para o leitor a boa surpresa do final, um feliz achado de quem sabe fazer a análise lúcida do viver com o paralelo do que foi o ontem e o que acontece no hoje, em que crianças vidradas nos tempos eletrônicos não mais sobem nas árvores para colher frutas ou pela sensação da aventura.
O cronista é verdadeiro, contundente quando alude à vulgarização e à banalização que se impõem com um novo referente. Em “Tempos Estranhos”, crônica dos dias temerários do hoje, vemos que a alguns a Internet fornece os meios fáceis para que se apresentem na mídia como donos do saber, mas que em verdade não passam de patrulheiros de plantão, vestindo o ego com a roupagem da simulação para a performance enganosa de intelectual talentoso e culto.
É sensato quando expõe certa mentalidade mesquinha da inteligência local, se pondo contrária à homenagem justa que se deve prestar ao romancista Jorge Amado. A postura é lamentável, a omissão se faz imperdoável por parte de conterrâneos e lideranças locais. A mentalidade estreita, de baixa aferição humana, faz eco ao dizer popular de que santo de casa não faz milagre, teimando em recusar que a avenida Cinquentenário receba o nome de Jorge Amado. Finalmente aconteça a homenagem justa ao romancista que nasceu na fazenda Auricídia, em Ferradas, e das terras do sem fim quis o destino que seus livros andassem por todas as partes do mundo com as gentes e histórias grapiúnas.
As crônicas de Agenor Gasparetto também sabem tocar nas feridas sociais e políticas. Exemplos disso temos em “O Trabalhador Rural na Crise da Lavoura Cacaueira”, “Belas e Tristes Fazendas de Cacau do Sul da Bahia” e “Desenvolvimento e o Paradoxo Canavieiras”. Em geral, todas elas se apresentam com a marca de quem conhece o ofício. Sente, reflete, transmite visões de que a vida não é rodeada de concepções extremamente falsas, inúteis para o nosso bem-estar, mas acontece com proveitosas crônicas retiradas do ninho da beleza.
Itabuna, 29 de novembro de 2023