O pequeno opúsculo objetiva contribuir com a escavação, catalogação e registro da incipiente pesquisa acerca da recepção de Nietzsche no Brasil, a partir da Bahia e busca apresentar aos leitores as considerações, indagações e suspeitas do escritor baiano Wilson Lins acerca da obra do pensador alemão, bem como, de sua compreensão, assimilação e utilização em terras brasileiras. A singularidade de seus escritos, oferecem um percurso até então pouco explorado, a saber, o caminho da suspeita com relação às benfeitorias advindas da proposta civilizatória, geralmente identifi cada ao projeto expansionista das grandes navegações. Além de seu interrogar contundente refaz o minucioso impacto teórico ocasionado aos povos marginais por meio do abandono e da prosternação aos valores de empréstimo, representação ideal de um modo elevado de existir e estar no mundo. Isto será evidenciado em diversas passagens, em que sugere tratar a devastação, enquanto processo dissimulado de sofisticação ilustrada, que associado à indumentária condizente, buscou estruturar e coibir os anseios agrestes dos corpos e tradições originários, desestabilizando-os. A partir de então, o habitante dos trópicos não mais se reconheceria na existência vigorosa e simples, a qual esteve sempre vinculado e se encontraria a sonhar com o intenso viver da fabulação artifi ciosa. A genufl exão adestradora estaria consumada. O que Wilson Lins denuncia, ainda imberbe na sua juventude, parece ter se propagado em solo brasileiro e latino-americano e, sem atentarmos muito ao fato, esboçamos cada vez mais o distanciamento progressivo e linear dos acontecimentos que, bem ou mal, protagonizaram e facultaram a nossa (de)formação. Procurando devorar os apetrechos da ilustração para, com eles e a partir deles, catapultar os fundamentos de uma cultura própria, abraçou seu destino ao afi rmar a condição de sertanejo brasileiro, habitante do Brasil profundo, que soube abrigar, às margens do Rio São Francisco, a potente embarcação que ao mar lançou suas velas: a dinamite nietzschiana. Nas imprecações de Wilson Lins estaria a reverberar ocuidado e a rebeldia ingênua de um engenhoso antropófago.
Autor: Roberto Sávio Rosa
Roberto Sávio Rosa está funâmbulo e andarilho. Em seu périplo pedregoso e escorregadio alcançou Graduação pela Universidade Federal de Santa Maria, seguindo até Pós Doutorado em Filosofia e Hermenêutica filosófica pela Università Degli Studi di Torino. Hodiernamente, atracou sua embarcação em Ilhéus, Bahia e está professor da Universidade Estadual de Santa Cruz, onde coordena projetos de pesquisa das obras filosóficas e literárias de Wilson Lins e sua relação com Nietzsche e o sertão baiano, correndo o risco das suas predileções: estética, hermenêutica, antropologia filosófica e literatura. O livro reúne artigos produzidos durante a execução do projeto A recepção de Nietzsche no Brasil a partir da Bahia: Wilson Lins e sua circunstância e conta com a participação dos Bolsistas de Iniciação Científica - Aline Gonçalves de Carvalho, Iago Melo de Oliveira Sena, Lays Silva Santos e Rafael Ribeiro de Almeida – e, dos professores colaboradores - Gianluca Cuozzo, José Roberto da Silva, Julio Cabrera e Miguel Arturo Chamorro Vergara.