Após um longo tempo, a história da escravidão brasileira deixou de ser uma história da produção escravista para se voltar para o próprio escravo, principal sujeito daquela realidade. Escravos circularam muito além da senzala, do canavial e do tronco. Territorializaram espaços de convivência social, afetos, celebrações, diversão, mas também de fuga episódica ou definitiva, e tantas outras práticas de resistência, silenciosas ou abertas, face os mecanismos de coisificação que o sistema lhes impunha. Vivendo nos limites da sua condição social, escravos africanos e afrodescendentes lutaram todo o tempo por maiores espaços de autonomia e por uma vida melhor, forjando alianças dentro e fora de seu grupo, consolidando amizades e constituindo famílias.
Na vila de Ilhéus, ao longo do período colonial e do século XIX, até o momento da abolição, escravos também participaram ativamente da dinâmica econômica e social, seja no ambiente rural, seja na pequena urbe. Os testemunhos de suas vidas, no entanto, fi caram por séculos enclausurados nos arquivos, cartórios e igrejas Nas últimas décadas, documentos cartorários, livros paroquiais, inventários e testamentos, dentre outras fontes primárias, passaram a ser explorados por historiadores capazes de traduzir as experiências da escravidão e das práticas escravistas locais e regionais para um público cada vez mais interessado. O presente livro integra esse recente esforço de pesquisa. Victor Santos Gonçalves localizou e percorreu o conjunto das fontes paroquiais e cartorárias correspondente aos anos Oitocentos ilheenses. Empregando o método de ligação nominativa das fontes, o autor acompanha trajetórias e elucida experiências e atitudes que expressam não apenas a condição de sujeito histórico daqueles escravos, mas a consciência do antagonismo presente nas relações produtivas e nas práticas paternalistas dos senhores. E vai mais longe, ao narrar também as experiências vividas como sentimento – no dizer de Thompson -, as quais se traduzem em cultura, na forma de normas familiares, reciprocidades e valores.
Enfim, a leitura de “Escravos e Senhores na terra do cacau” provoca a reveladora e inquietante sensação de viver a experiência do outro, em outro tempo. Porém, de um outro que está nas nossas raízes – talvez um nosso antepassado – cuja experiência real nos ajuda a entender práticas e comportamentos que expressam, na sua essência, a luta cotidiana dos menos favorecidos diante de tudo aquilo e daqueles que atentam contra sua condição humana.
Autor: Victor Santos Gonçalves
Victor Santos Gonçalves Possui graduação em História pela Universidade Estadual de Santa Cruz (2010). Mestre em História Social pela Universidade Federal da Bahia UFBA (2015). Atualmente participa como discente da Especialização em História do Brasil pela Universidade Estadual de Santa Cruz.